sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Capítulo 8:

A sala estava escura, iluminada apenas por uma fina chama que saia de uma bonita lâmpada de prata. A chama foi apagada por um leve sopro, deixando a sala cair na escuridão da noite.
Alguns momentos depois, as inscrições do circulo místico desenhado no chão começaram a se iluminar, revelando a silhueta feminina que aguardava a visita espiritual. Era magra e seu cabelo escuro e curto estava coberto pelo capuz roxo da veste simples. De seu pescoço pendia um cordão com um símbolo místico. A blusa deixava os braços à mostra repletos de pulseiras, braceletes e anéis. Usava uma saia negra comprida até o pé descalço. Sentiu a presença se aproximando, era poderosa e imponente. Os gatos se assustaram e fugiram correndo do local.
Do círculo saiu uma mão translúcida, que como se apoiando no chão puxou o resto do espírito para fora. O espírito era grande e precisou ficar sentado para que sua cabeça intangível não varasse o teto. Ainda assim era mais alto que a garota. Exibia uma longa barba trançada e sua aparência era de um homem que não havia vivido mais que trinta invernos, porém a expressão era sábia, como se vivesse uma eternidade completa.
- Primeiro Mestre. - A moça o cumprimentou fazendo uma reverência.
- Não é qualquer um que tem poder e conhecimento suficiente para me evocar. - Falou com a voz potente e serena. - Principalmente nos dias de hoje. Quem me chama?
- Meu nome é Pan. - Respondeu a garota.
- E por que me chama pequena Pan? - Falou analisando o circulo desenhado.
- Eu preciso da sua ajuda e do seu conselho. - Falou tentando não se mostrar intimidada.
- As pessoas costumavam me pedir conselhos, mas há muito não o fazem. - O gigante estendeu a mão que não foi barrada como ele imaginava. - Você não fez nenhum feitiço de restrição.
- Para você não há necessidade disso. Sei que você é justo.
- Cada vez mais criaturas estão passando para o universo dos homens. - Demonstrou estar a par da situação.
- É exatamente o que me preocupa.
- Isso era inevitável desde o início. Eu os avisei.
- Como fazemos para interromper isso?
- Interromper? E por que deseja interromper o curso natural das coisas?
- O curso natural é os monstros ficarem apenas na nossa imaginação.
- Esse universo já foi uno em sua primeira era. Humanos, Orcs, Elfos, dragões e uma grande quantidade de criaturas conviviam. Esse convívio nunca foi harmonioso, mas foi como deveria ser. Os humanos tornaram-se mestres na magia e baniram as criaturas. As poucas que sobraram após o grande esforço foram caçados.
- Essa não é a versão da história que nos é contada.
- Esse mundo era tão das criaturas quanto nosso. E cada vez mais o feitiço vai enfraquecendo. Uma nova era está para surgir.
- Há um homem que anseia por esse momento.
- O que se diz Divino. Ele quer reunir poder para comandar todas as criaturas. Tudo que ele deseja é poder. Mas ele é a menor das minhas preocupações. Quando o lacre se romper, os universos se fundirão novamente. E haverá uma grande guerra.
- Os humanos mal conseguem conviver entre si, como poderíamos travar uma guerra contra todas as criaturas?
- Há uma única chance, se os humanos se unirem perante o inimigo comum. Mas, se Divino assumir o poder ele instaurará um reino de caos e esse plano estará perdido.
- As profecias falam de um escolhido, que unificará todo o mundo e nos salvará.
- Se você quer meu conselho, o melhor a ser feito e abraçar essa nova união dos planos. Divino não pode triunfar e reze aos seus deuses para que realmente surja um escolhido.

O bardo subiu em uma pedra alta para olhar a planície, ao longe viu a cidade de Garu, sua cidade natal. A cidade era grande e possuía uma economia desenvolvida ao ponto de rivalizar com a própria capital.
No que diz respeito a belezas naturais, os domínios de Oir sempre venceram o Reino da Chuva, apresentando vales verdejantes, grandes florestas, praias e cachoeiras, ao passo que o Reino da Chuva era maior física e economicamente. Mas aquela visão era muito pior do que o esperado: Os pastos estavam destruídos por insetos e repleto de animais mortos. O céu estava infestado por aves de rapina.
Aquele era o destino da caravana, mas não o dele. Ele ainda tinha uma missão a cumprir.

- Chamou por mim majestade? - Apresentou-se um jovem entrando pela bonita porta.
- Sim. Rike, meu jovem. Entre por favor! - Disse o homem abatido deitado em uma grande e confortável cama e fez um sinal e os súditos deixaram o aposento. O cômodo era grande e luxuoso. Haviam inúmeras peças de ouro, pinturas raras e bonitas armas ornamentadas.
O rei mostrou-se pensativo por um momento e começou a gargalhar um riso estranho até que fossem interrompidos por uma compulsiva tosse.
- É engraçado - disse recompondo-se - Você é o único que eu realmente posso confiar. -Tossiu novamente, cuspindo sangue em um lenço branco.
- O senhor está bem? - O jovem preocupou-se.
- Nada bem. Os médicos acham que me enganam, mas eu sei muito bem que estou em meus dias finais.
- Eles são os especialistas, deveria confiar mais em seus diagnósticos.
- Eles botam a culpa nas minhas noites de bebedeira. E qual o médico que quer dizer para um jovem rei “Desculpe senhor, mas o senhor vai morrer. Não sabemos por que e não há nada que possamos fazer”?
- Eu falaria senhor.
- Por isso tem minha confiança, mas infelizmente, ou felizmente, você não é médico, e sim um guerreiro. E não posso dizer que seu trabalho seja mal executado.
- Só faço o meu dever majestade.
- Diga-me Rike, eu fui um bom rei?
- Você é o melhor de todos. - Bajulou, mas havia sinceridade em suas palavras.
- Não seja estúpido, você não conhece todos os reis do mundo.
- Mas tenho certeza que é.
- Eu vou morrer Rike e mesmo tendo sido um bom rei não agradei a todos. Sei que muitos vão ficar felizes com a minha morte. Meu filho anseia pelo poder, e tenho medo que ele se corrompa, ele é altamente influenciado pela podridão da nobreza, mas infelizmente eu não posso tirar os seus poderes. Mas posso dar poderes e é o que eu vou fazer.Você será nomeado Sir Rike e receberá o título de primeiro conselheiro. E por favor, me prometa que não deixará que o futuro rei faça besteira.
Rike não tinha ação. Estava sendo bombardeado de pensamentos, não acreditava no que estava ouvindo apenas gaguejou algumas sílabas e foi interrompido pelo rei.
- Se assim você quiser é claro.
- Claro que aceito senhor. É uma grande honra para mim. - Falou já se ajoelhando.
- Ótimo! - O rei deu outra risada estranha - Mas primeiro precisamos de um mestre da lei. Vá buscar o escrivão. Aquele almofadinha que fala muito. E traga-me também alguma bebida pelo deus dos trovões!
O nobre cavaleiro saiu correndo do quarto, era o dia mais feliz da sua vida. Mas ele jamais voltaria a ver o rei. O jovem não estava habituado com o enorme castelo e acabou se perdendo no caminho, entrando em corredores desconhecidos. Até que em um deles viu o príncipe caminhando, de costas reconheceu pelo seu curto cabelo loiro com o fino arco de prata, cravejado com diamantes. Conversava com um nobre, conhecido como Artis. O cavaleiro se aproximou para pedir ajuda, mas ao se aproximar ouviu a conversa.
- O rei está prestes a morrer príncipe Nän - Dizia o moreno nobre - em breve teremos o controle em nossas mãos.
“Nossas?” Pensou Rike.
O príncipe entrou em um cômodo e antes de entrar o nobre olhou para o corredor e nada viu, certificando-se que não estavam sendo seguidos. Rike escondera-se atrás de uma grande estante.
- Vamos logo Artis! - Ouviu a voz do príncipe - Não se preocupe, esses lados do castelo estão livres de empregados. Venha, o mestre nos aguarda.
Rike gelara. Curioso como era aproximou-se divagar. A porta estava entreaberta e olhando pela fresta nada viu ou ouviu. Abriu a porta devagar, provocando um pequeno ruído proveniente das dobradiças. Não tinha nada no cômodo exceto um arco de onde uma escada descia por um estreito corredor e ele avançou furtivo, agradeceu aos deuses por não ter vindo com a sua pesada armadura.
Desceu a escada e chegou a outro cômodo, aonde os dois conversavam, olhando em direção a um grande espelho. Havia mais um homem calado, com o olhar duro, pele morena e um cavanhaque. Rike não o reconheceu, mas viu que carregava duas facas presas ao cinto. O homem era relativamente baixo, mas Rike sentiu algo estranho, que o intimidava.
- Uma fonte segura nos informou que há uma conspiração surgindo. - Disse Artis.
- Eles nada podem fazer contra mim.
- Desde que o rei adoeceu você assumiu com o punho de ferro Nän, o povo não gosta disso. Muito menos os malditos idealistas. Quando você assumir a coroa eles tentarão de qualquer forma derrubá-lo.
- Aposto que o maldito Conde Titus de Garu está por trás disso. Maldito revolucionário. - Amaldiçoou o príncipe.
- Ele era um grande amigo do seu pai.
- Será que ele desconfia de algo?
- Não importa, se ele pensar em ameaçar nossos planos nós pegamos ele e a irmã.
Rike suava frio. - Ramy! - Deixou escapar um sussurro.
- Por hora devemos nos focar no rei. Está na hora dele encontrar a morte. - Escutou uma terceira voz como se fosse o som do próprio inferno.
Rike virou-se rapidamente impelido a fugir do local e avisar o rei, mas foi tomado pelo terror da visão. Surgindo como que em uma névoa na escadaria, aglomerou-se formando uma túnica negra que deixava apenas um rosto acinzentado e deformado à vista.
Rike foi arremessado por metros e ao chocar-se contra o chão no meio do aposento causando um susto nos presentes, o vulto negro já estava ao seu lado como se estivesse deslizando no ar.
- Veja só se não é o grande cavaleiro. - Disse o príncipe.
Rike ainda estava atordoado pelo golpe e o homem calado aproximou-se, sacando uma faca e preparou o golpe de misericórdia. Mas foi interrompido pela voz demoníaca.
- Calma. Esse guerreiro nos apareceu na hora certa.
Voltando-se para o espelho, Rike viu o reflexo de uma criança com longos cabelos dourados.

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